Quando a cortina abre, a magia acontece, o mundo gira ao contrário, o giro da mente é intenso, saímos do eixo gravitacional humano, deixamos por 60 minutos esta gravidade e estamos envoltos da atmosfera dos bonecos de Apocalypse, de Álvaro Apocalypse, meio século depois, emergindo de um pequeno baú, Um Baú de Fundo Fundo, de uma profundidade gigantesca, do tamanho das batidas de um coração. É o mundo dos bonecos, suas aventuras e desventuras.
Há um serelepe palhacinho de nome Libório, conduzindo a narrativa, abrindo a caixinha de surpresas que é este bauzinho, numa cidade multicor que são os olhos do público, e atrás da empanada, outra cidade pulsa de cores numa paisagem cenográfica onde o soldadinho de pernas circulares despeja flores. Libório, o palhacinho, encontra outros seres lúdicos em suas andanças bonecais, o Sr. Godofredo, um impoluto mandão, com ares de juiz, prefeito, delegado, promotor e o diabo que o parta, e cabe a Libório suavizar o espírito bonecal inquieto de Godô.
Do baú, tudo pode surgir, é uma caixa de fundofundo, e de lá as coisas ganham vida na imaginação do Grupo Giramundo Teatro de Bonecos, do estado de Minas Gerais. As manipulações são uma perícia de sensibilidade, o conjunto de manipulações some e dá vez e voz e corpo aos seres da empanada, o que confere a este universo a plausibilidade do possível entre cordas, fios, varas e luvas.
A experiência Apocalyptica é a tônica aqui, o acabamento do espetáculo, com suas cores, sons e iluminação fazem jorrar criatividade e destreza em 60 minutos de Império absoluto daquele baú, onde um fantasma medroso me fez recordar de um poema de Lewis Carroll, o Fantasmagoria, baú infinito este do Giramundo, onde um pescador sonha e é capturado por uma sereia, pescando narrativas míticas praieras dignas das músicas de um Dorival Caymmi. Danças folclóricas envoltas em folguedos ancestrais surgem do baú, uma simpática e ranzinza velhinha tricoteia esperando a passagem do tempo e o palhacinho Libório vai conduzindo a travessura bonecal nestes elementos da empanada, aliás empanadas, pois são duas esferas de atuação dos seres bonecais neste jogo de ludicidade do baú.
Num intermezzo de marionetes, o casal sambista dá seu show particular, adentramos na alma pulsante da brasilidade, que trem bão, sô! Namorados e o fantasma se encontram, envolvidos pelo velho Lampião que ilumina o banco tradicional desta praça de todos os lugares, sapos surgem e dançam, aparecem e desaparecem, tudo fluindo com a liberdade de um sonho, não precisamos da cruel lógica e da fria racionalidade por aqui, eis que o Império do baú Apocalyptico é integral, seres bonecais vivem bem mais que humanos. Tudo é divino e maravilhoso, o Cachorro Mestre de Cerimônia alertou no início, que tudo era mentira. Eu acreditei e transformei esta então mentira numa deliciosa verdade, as crianças esperaram os seres bonecais depois do espetáculo, já era noite, e as crianças continuaram a sorrir, tocando naqueles seres do baú, e lá fundo do palco agora às escuras, os olhos infinitos de Álvaro Apocalypse brilhavam.
* Texto: Jorge bandeira
Informações complementares
M Baú de fundo fundo 1974-2024
Design de Bonecos – Álvaro Apocalypse
Direção de Remontagem – Bia Apocalypse e Ulisses Tavares
Marionetistas – Bia Apocalypse, Ana Fagundes, Raimundo Bento, Enzo Giaquinto
Produção – Sol Markes
O espetáculo Um Baú de Fundo Fundo, do Grupo Giramundo Teatro de Bonecos, fez parte do Festival Sesi Cultura Infância, realizando sua apresentação no Teatro Icbeu no dia 16 de outubro de 2024, às 20h.
Ficha técnica (1974-2024)
Design de Bonecos – Álvaro Apocalypse
Direção de Remontagem – Bia Apocalypse e Ulisses Tavares
Marionetistas – Bia Apocalypse, Ana Fagundes, Raimundo Bento, Enzo Giaquinto
Produção – Sol Markes
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