Denúncias envolvem abuso sexual sistemático por agentes do Estado durante nove meses de detenção em Santo Antônio do Içá. Caso mobiliza autoridades e levanta alerta para violações de direitos humanos e violência institucional no interior do Amazonas.
O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) e a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) estão acompanhando o caso de uma mulher indígena da etnia Kokama, identificada pelas iniciais L.M.S., que relata ter sido estuprada repetidamente durante o período em que esteve custodiada na Delegacia de Polícia do município de Santo Antônio do Içá, no interior do Estado. O caso veio a público a partir de matéria jornalística publicada pelo site Sumaúma.
Segundo os relatos, os abusos teriam ocorrido ao longo de mais de nove meses, em Santo Antônio do Içá, inclusive durante o resguardo pós-parto, com episódios de estupro coletivo e na presença de seu filho recém-nascido, enquanto ele era amamentado. A vítima afirma ainda não ter recebido assistência médica ou psicológica após o parto.
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As denúncias envolvem ao menos quatro policiais e um guarda municipal. A gravidade dos fatos foi confirmada por exame de corpo de delito realizado logo após a revelação do caso, com a constatação de conjunção carnal e sinais de violência.
Uma ação cível foi ajuizada contra o Estado do Amazonas e mobilizou diversas instituições. No início da tarde da última terça-feira (22/07), uma comitiva do MPAM esteve na Cadeia Pública Feminina de Manaus para prestar acolhimento institucional à vítima e ouvir seu relato. A visita foi coordenada pela procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque, e contou com a participação da ouvidora-geral do MPAM e ouvidora da Mulher, procuradora de Justiça Sílvia Abdala Tuma, e da coordenadora do Núcleo de Apoio às Vítimas e Vulneráveis (Naviv/Recomeçar), promotora de Justiça Silvana Cavalcanti.
Segundo o MPAM, o objetivo da visita foi oferecer escuta qualificada e reunir elementos para subsidiar a atuação do Ministério Público nas investigações e na responsabilização dos envolvidos. “Estamos diante de um caso extremamente grave, que fere os princípios mais elementares da legalidade, da humanidade e da Justiça. A atuação do Ministério Público é orientada pela defesa intransigente da dignidade humana, especialmente no que diz respeito às mulheres, aos povos indígenas e às vítimas de violência institucional”, afirmou a PGJ Leda Mara Albuquerque.

Defensoria
Desde que tomou conhecimento do caso, em agosto de 2023, a Defensoria Pública tem atuado de forma contínua para garantir os direitos da vítima. A instituição foi acionada por outras internas da unidade prisional diante do estado de debilidade emocional da reeducanda, que se recusava a se alimentar e chorava constantemente. O atendimento jurídico, inicialmente previsto para a semana seguinte à transferência da custodiada para Manaus, foi antecipado em caráter emergencial.
Durante o atendimento, conduzido com apoio de profissionais da psicologia, a vítima relatou os abusos, o que levou a DPE-AM a adotar uma série de medidas legais e humanitárias: escuta qualificada com protocolo humanizado, pedido de cumprimento de pena em regime domiciliar, e encaminhamento para acompanhamento psicológico e médico contínuo. A Defensoria também destacou os riscos de represálias, já que a família da vítima permanece no interior do estado, o que exigiu atuação cautelosa para garantir a segurança dos envolvidos.
As investigações criminais seguem sob sigilo judicial e são conduzidas pelas corregedorias das Polícias Civil e Militar e do Sistema de Segurança Pública. Na esfera cível, a vítima pleiteia reparação por danos morais e materiais decorrentes das violações sofridas.
Em nota, a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), por meio do Departamento de Polícia do Interior (DPI), informou que instaurou procedimento para apurar o caso ocorrido na 53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Santo Antônio do Içá. A Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública do Amazonas também instaurou procedimento para apurar o caso.
Já a Polícia Militar do Amazonas (PMAM) instaurou Inquérito Policial Militar (IPM), o qual está em fase final de investigação. Com o objetivo de preservar a integridade das investigações, o procedimento tramita sob sigilo.
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