O distrito de Alter do Chão, no município de Santarém (PA), foi palco de um importante seminário promovido pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O encontro, no coração da Amazônia, reuniu, de quarta-feira até nesta sexta-feira, de 16 a 18 de julho, gestores públicos, pesquisadores, ribeirinhos, extrativistas, povos tradicionais e beneficiários de programas sociais para debater um paradoxo que marca a realidade amazônica: os desafios do acesso à água em uma região que concentra a maior disponibilidade hídrica do país.
O Memorial Chico Mendes teve participação ativa no seminário como uma das principais organizações articuladoras na região, mobilizando mais de 40 pessoas entre beneficiários, técnicos e representantes de organizações da sociedade civil que atuam diretamente nos territórios amazônicos.
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“Mobilizar os beneficiários para o evento é de suma importância para a visibilidade. Além da possibilidade de troca de experiências, eles estão envolvidos na base da política pública. Puderam aprender sobre saneamento básico, conhecer melhor as tecnologias sociais e logísticas, além de entender como a política pública chega aos seus territórios”, destacou Willians Santos, engenheiro civil do MCM e coordenador do projeto.
Também participaram do seminário executoras parceiras como a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), Instituto Vitória Régia (IVR), Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (ADAI), Instituto Desenvolver e a Associação de Mulheres do Baixo Cajari (AMBAC). Todas desempenham um papel fundamental na implementação de tecnologias sociais voltadas ao acesso à água e à segurança alimentar na região.
A programação do seminário contou com uma série de painéis que abordaram, sob diferentes perspectivas, os múltiplos aspectos que envolvem o acesso à água na Amazônia. Um dos primeiros debates tratou das especificidades territoriais da região, a partir da análise do comportamento hídrico de suas bacias e da vivência de povos indígenas e comunidades tradicionais, evidenciando os desafios geográficos, políticos e sociais que afetam diretamente a disponibilidade de água potável.
O diretor-geral de Programas de Acesso à Água do MDS, Vitor Santana, ressaltou a importância do evento como espaço de construção coletiva.
“As pessoas pensam que, por estarmos na maior bacia hidrográfica do mundo, o acesso à água é ilimitado. A realidade é muito diferente. Esse evento é uma oportunidade para debatermos as políticas públicas desenvolvidas na região e fortalecermos parcerias com organizações como o Memorial Chico Mendes e o Projeto Saúde e Alegria. Precisamos qualificar e ampliar essas ações para alcançar a universalização do atendimento”, afirmou.
Outro momento relevante abordou as tecnologias sociais como instrumentos de adaptação climática, promovendo a troca de experiências entre a Amazônia e o Semiárido — regiões com contextos distintos, mas igualmente impactadas pela escassez hídrica em diferentes aspectos.
Depoimentos de beneficiários das tecnologias sociais implementadas em comunidades da floresta trouxeram ao debate a força das experiências vividas, revelando o impacto transformador de ações como o Programa Cisternas, que tem garantido água de qualidade para o consumo e para a produção de alimentos.
“O projeto já foi levado para o Médio Purus e tem sido um grande sucesso. Estamos muito felizes. Sou grato, porque é um programa que trouxe saúde para as nossas comunidades. Hoje temos água pura. Com o projeto, temos água saudável para usar na pia, no banheiro; as mulheres não precisam mais descer até a beira do rio para lavar roupa. Estamos em um patamar melhor, e eu sou muito grato por isso”, declarou Benedito Clemente, beneficiário do Programa Cisternas no município de Lábrea, Amazonas.
No último dia do encontro, nesta sexta, 18 de julho, os participantes realizaram uma visita imersiva à Aldeia Pajurá, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, onde conheceram de perto o Sistema Pluvial Multiuso Comunitário — tecnologia social já implementada no território. A atividade teve como objetivo proporcionar uma vivência prática aos futuros beneficiários das cisternas, promovendo a troca de saberes entre comunidades e a valorização de soluções desenvolvidas a partir da realidade local.
Durante a visita, estiveram presentes novos beneficiários e organizações executoras selecionadas por meio de um edital financiado pelo Fundo Amazônia, voltado para a ampliação do Programa Cisternas na região, em complemento aos recursos do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
O Sanear Amazônia
O programa visa promover o acesso à água para consumo humano em comunidades extrativistas da Amazônia, por meio das tecnologias sociais “Sistema de Acesso à Água Pluvial Multiuso Comunitário” e “Sistema de Acesso à Água Pluvial Multiuso Autônomo”.
A proposta assegura o abastecimento de água potável para famílias extrativistas de forma direta, com impacto indireto ampliado pela replicação das melhores práticas para a totalidade da população nas áreas atendidas.
A implantação da tecnologia social no Projeto Sanear Amazônia segue um processo estruturado em várias etapas. A primeira é de mobilização, seleção e cadastramento das famílias beneficiadas, realizada por meio de assembleias, reuniões e visitas.
Depois, os beneficiários passam por capacitações em duas frentes principais. Na área de saneamento e saúde ambiental, aprendem sobre o uso adequado da tecnologia social, gestão da água, cuidados com o meio ambiente e práticas de saúde que serão impactadas positivamente pelo novo sistema. Na área de construção dos componentes físicos, as equipes recebem instruções sobre montagem de placas e pilares pré-moldados, construção de banheiros, fossas, instalação do sistema hidráulico e orientações de manutenção, garantindo a durabilidade da estrutura.
A etapa final envolve a construção e instalação dos sistemas: montagem da caixa d’água sobre tablado elevado, construção de banheiro e acessórios, fossa sanitária e sistemas de distribuição.
Sobre o Memorial Chico Mendes
Fundado em 1996 pelo CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas), o Memorial Chico Mendes é uma organização sem fins lucrativos dedicada a preservar o legado do ativista ambiental e promover projetos sociais e ambientais na Amazônia. Por meio de diversas iniciativas, busca contribuir para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das comunidades extrativistas.
Foto: divulgação