O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu, na terça-feira (25/11), o Ofício das Tacacazeiras da Região Norte como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão foi tomada durante a 111ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado composto por técnicos e representantes da sociedade civil que delibera sobre o reconhecimento de bens culturais materiais e imateriais.
O ofício foi inscrito no Livro dos Saberes, destacando a importância das mulheres amazônicas na preservação de saberes ancestrais ligados à culinária regional.
O tacacá é um prato típico da Amazônia feito com tucupi e goma (derivados da mandioca), camarão seco, jambu e temperos variados. Mas o reconhecimento vai muito além da receita.
Como destaca o parecer técnico aprovado, escrito pela conselheira do conselho consultivo do Iphan, Izabela Tamaso, o ofício de tacacazeira não se restringe a uma receita, mas compreende um conjunto integrado de práticas agrícolas, saberes tradicionais, técnicas culinárias, modos de comercialização, formas de sociabilidade e sentidos simbólicos.

“É o reconhecimento dos saberes e tradições da região norte. A região norte deve ser valorizada e fala sobre o que é o Brasil”, disse o presidente do Iphan, Leandro Grass.
O parecer destaca que o ofício surgiu em um contexto de crise econômica e falta de empregos formais, quando mulheres que não encontravam espaço no mercado formal passaram a utilizar a venda de alimentos de rua como estratégia de sobrevivência e de manutenção familiar.
Muitas relatam com orgulho que conseguiram criar e educar seus filhos com o trabalho do tacacá, como Maria de Nazaré, tacacazeira de 71 anos que ainda atua em Manaus. “Meus filhos estão fazendo faculdade, eu tenho um filho cirurgião, tenho neto advogado. Tudo se criou aqui, vendendo tacacá”, disse.
O ofício está presente em todas as sete capitais da Região Norte, com características próprias em cada localidade. Em Belém (PA), por exemplo, existem registros literários e artísticos sobre as tacacazeiras desde o final do século XIX. Já em Palmas (TO), a prática é mais recente, ligada à migração paraense e maranhense para a cidade.
Os pontos de venda variam entre bancas, barracas, quiosques, carrinhos, boxes de mercado, kombis, lanchonetes e até restaurantes especializados.
Mais do que locais de comércio, esses espaços são pontos de encontro e sociabilidade, onde se reforçam laços comunitários e a identidade amazônica.
O pedido de registro começou em 2010, quando o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) solicitou o reconhecimento, como parte de um trabalho maior sobre os saberes relacionados à mandioca no Pará. Em 2024, o processo ganhou novo impulso com pesquisa realizada em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que ouviu mais de 100 tacacazeiras em sete estados da Região Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
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As tacacazeiras são, em sua maioria, mulheres que transformaram o preparo e a venda desse prato em seu meio de vida, ocupando praças, esquinas, feiras e mercados das cidades amazônicas.
Segundo a pesquisa, quase 70% das pessoas que trabalham com tacacá são mulheres, muitas delas de meia-idade ou mais velhas, que aprenderam o ofício com suas mães, avós ou sogras e hoje transmitem esse conhecimento para as novas gerações.
Virou patrimônio cultural, e agora?
Com o reconhecimento oficial, o Iphan agora trabalhará na elaboração de um Plano de Salvaguarda que contempla cinco eixos de ação: gestão e empreendedorismo; acesso a matérias-primas e insumos; melhoria das condições de comercialização; divulgação cultural e gastronômica; e direito à cidade, garantindo melhores condições de infraestrutura nos pontos de venda.
O objetivo é não apenas preservar o saber-fazer, mas melhorar as condições de trabalho das tacacazeiras, fortalecer sua organização coletiva e valorizar seu papel como guardiãs de um patrimônio cultural que identifica e distingue a Amazônia brasileira.






