A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) protocolou, na terça-feira (7), uma recomendação ao Senado Federal, para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar possíveis excessos e abusos de autoridade durante a operação conduzida pela Polícia Federal (PF) e outros órgãos, na calha do Rio Madeira, entre o Amazonas e Rondônia, em setembro, especialmente, na região Sul do Estado. A operação resultou na inutilização de 277 dragas usadas no garimpo ilegal, atividade que degrada o meio ambiente e causa prejuízos às populações tradicionais, através da contaminação das águas por mercúrio e outros agentes tóxicos e nocivos à saúde.
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O documento foi endereçado a todos os senadores da República e tem como base o grave impacto humanitário provocado pelas ações iniciadas no dia 15 de setembro de 2025, que, segundo a Defensoria, colocam em risco mais de 25 mil pessoas, entre elas crianças, mulheres, idosos e povos tradicionais, o que justificaria uma apuração via CPI.
Defensoria pede apuração
Segundo a DPE-AM, a operação federal tem gerado situações de vulnerabilidade para centenas de famílias ribeirinhas, em especial nas comunidades localizadas ao longo do Rio Madeira, onde há relatos de destruição de moradias, abordagens violentas e destruição de bens essenciais à subsistência como barcos, motores e alimentos.
O documento recomenda que o Senado averigue, a partir da CPI, as condutas de agentes federais e de autoridades envolvidas, de modo a apurar possíveis excessos de força, ações desproporcionais e violações de garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal.
A Defensoria destaca que “há indícios de que os procedimentos adotados pelos agentes públicos extrapolaram os limites legais e geraram danos irreversíveis a grupos vulneráveis que dependem do rio e da floresta para sobreviver”.
A instituição enfatiza ainda que a operação, embora deva combater atividades ilegais, não pode ocorrer à custa da violação de direitos humanos.
A DPE-AM afirma que, embora reconheça a importância das ações de combate à criminalidade ambiental, é dever do Estado conciliar a repressão a ilícitos com a preservação da dignidade humana.
“Não se combate ilegalidade com ilegalidade”, cita o texto, que reforça que os órgãos públicos devem atuar de forma coordenada e proporcional, garantindo que nenhum cidadão inocente seja penalizado por ações que visam reprimir crimes ambientais.
Relatos das famílias
Aos integrantes do Grupo de Trabalho ‘Teko Porã’, que realizaram visitas in loco no município de Humaitá e nas comunidades próximas entre os dias 22 e 24 de setembro, famílias relataram à Defensoria a perda total de suas embarcações e moradias, além da impossibilidade de locomoção, transporte escolar e acesso a alimentos.
Os defensores que estiveram na região afirmaram que a Defensoria vem atuando em caráter emergencial, oferecendo apoio jurídico e acompanhando a situação de perto, com o objetivo de preservar o mínimo existencial e garantir o direito à vida e à moradia dessas populações tradicionais.
A instituição também solicita que o Senado adote medidas de reparação e proteção imediata às famílias atingidas e que o governo federal apresente planos concretos de apoio social e humanitário aos afetados pela operação.
“A Defensoria Pública não se opõe às ações de fiscalização, mas exige que elas respeitem os direitos fundamentais das pessoas que vivem da floresta e do rio. O combate à ilegalidade deve andar lado a lado com a proteção da vida”, reforça a recomendação dos defensores públicos que acompanham o caso.
Garimpo ilegal causa danos ambientais e prejuízos às populações tradicionais
A atividade de garimpo ilegal tem gerado danos ambientais e às populações tradicionais, como ribeirinhos e indígenas, ao logo dos anos, poluindo rios e contaminando as águas. Ambientalistas afirmam que a atividade pode causar prejuízos irreversíveis se não for banida e defendem o reforço ao combate e à fiscalização, especialmente, na Amazônia, onde o número de mortes de indígenas de etnias como a Yanomami, aumentou significativamente em decorrência do garimpo ilegal.
Em setembro deste ano, a PF, em colaboração com outros órgãos, realizou mais uma operação de combate à atividade ilegal. Sob a coordenação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPI), a instituição concluiu a Operação Boiúna, voltada ao combate à mineração ilegal de ouro no leito do Rio Madeira.
A ação ocorreu entre os dias 10 e 24 de setembro de 2025 e contou com apoio da Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e CENSIPAM.
Durante a operação, foram inutilizadas 277 dragas, usadas na extração ilegal de ouro, totalizando prejuízo direto de R$ 38 milhões às estruturas criminosas, conforme constatado por laudos periciais técnicos.
Os valores do impacto da operação consideram:
• Prejuízo patrimonial com a destruição dos equipamentos;
• Valor do ouro extraído ilegalmente nos últimos sete meses;
• Danos socioambientais acumulados na região;
• Lucros cessantes estimados pela interrupção da atividade ilegal.
Além das ações repressivas, a operação incluiu medidas sociais e ambientais. Em 18/9, equipes da Polícia Federal visitaram a comunidade ribeirinha de Democracia, em Manicoré, com apoio do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.
Foram coletadas amostras de cabelo, água e material biológico para análise do impacto do mercúrio sobre a saúde das populações expostas. Tão logo os estudos sejam concluídos, serão divulgados oficialmente.
Levantamento recente do Greenpeace Brasil identificou mais de 500 balsas de garimpo ilegal operando no Rio Madeira, inclusive em áreas próximas a unidades de conservação e terras indígenas, reforçando a necessidade de ações contínuas de enfrentamento ao avanço da atividade criminosa.
*Com informações da DPE e da PF
Fotos: Divulgação/PF