ARTIGO- Essa semana foi pesada. Fecho os dias com a impressão de que a humanidade inteira está em crise. É uma frase generalista, eu sei, mas estou, literalmente, acreditando nela. Um deputado federal de Minas Gerais, pago a peso de ouro com dinheiro público, resolveu usar seu tempo para atacar um professor da Universidade Federal de Roraima. Recortou um trecho de uma performance teatral realizada pelo educador de artes visuais com o grupo de teatro da instituição e postou nas redes sociais com a seguinte indagação: “O que pensa essa gente?”
Logo em seguida, seus seguidores começaram a destilar um ódio que outrora ficava recôndito no peito dos preconceituosos. Agora, esse ódio é exposto sem vergonha alguma. Comentários como “kkkkk, sem noção”, “essa gente nem pensa”, vieram seguidos de outras agressões ainda mais dolorosas. E eu fico pensando: ao perguntar “o que pensa essa gente?”, o deputado se refere ao professor doutor Francisco, um excelente ator, pessoa com uma história de vida inspiradora? Ao artista? Ao homem preto? Aos alunos da universidade? Como pode um representante eleito expor cidadãos ao ódio violento e sem filtros nas redes sociais?
Dois dias antes desse fato, outro acontecimento nos chocou. Um aluno do curso de Medicina da mesma universidade foi afastado após a coleta de dezenas de postagens em que incita a violência contra pessoas pretas. Em uma delas, pergunta “quando começará o fuzilamento”. Também atacou gays, lésbicas e povos indígenas com falas racistas, homofóbicas e odiosas. Mesmo assim, a depender do julgamento da instituição, ele pode receber seu diploma de médico e, com esse ódio no coração, atender justamente as pessoas que deseja ver exterminadas. Isso é simplesmente assustador.
Ainda na quinta-feira, para encerrar a semana, uma colega do coletivo Pró-Cultura Roraima compartilhou um vídeo com um trecho de stand-up comedy. Um “comediante” roraimense decidiu fazer dos migrantes venezuelanos o centro do seu “humor”. Venezuelanos que deixaram seu país em busca de condições minimamente dignas de vida foram ridicularizados num claro ato de xenofobia. É um tipo de piada que não tem graça. É crueldade travestida de entretenimento. Como se uma fronteira arbitrária, traçada por homens em 1859, pudesse separar o valor humano de um brasileiro do de um venezuelano.
Essa não foi apenas uma semana pesada. Foi um retrato preciso de uma sociedade adoecida. O ódio, antes velado, se institucionaliza e se apresenta em palanques, consultórios, salas de aula e palcos. E, diante disso tudo, a pergunta não é “o que pensa essa gente?”. A pergunta é: é possível curar um país que naturalizou o adoecimento coletivo?
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A minha vontade pessoal diante de tudo isso é me recolher. Ficar em posição fetal, deitada no meu quarto. Viver apenas para o meu filho, meu companheiro, minha família. Esquecer que existe um mundo lá fora cheio de gente que tem o ódio como prática de vida. Porém, perder a vontade de se indignar é ainda mais perigoso. Porque o ódio, em algum momento, vai bater à sua porta, vai bater à minha porta. E aí estaremos completamente desmobilizados para combatê-lo.
Vi muitas reações bonitas, muitas notas de apoio ao professor. Vi, inclusive, o jovem estudante de Medicina podendo se retratar e sendo escutado. Mas todo dia é dia de novos ataques. E precisamos reunir forças, todos os dias, para ter empatia com os atacados. E coibir — mesmo que seja na força do pensamento, mesmo que seja na força de uma palavra — os odiosos.
E eu, que ainda acredito na educação, na arte e no afeto como remédios, continuo resistindo. Mesmo em semanas como essa.
VANESSA BRANDÃO
Jornalista, doutora em Estudos Literários (Unesp-SP), mestra em Letras (UFRR), escritora e roteirista.