Após operação que deixou mais de 120 mortos no RJ, Fiocruz e mais de 40 instituições divulgam ‘Manifesto por uma Segurança Pública Cidadã’

Em função da mais letal operação policial da história da cidade do Rio de Janeiro, ocorrida na terça-feira (28/10), que resultou na morte de mais de 120 pessoas – número que supera o Massacre do Carandiru, em São Paulo -, o Conselho Deliberativo (CD) da Fiocruz, ao lado de mais de 40 instituições públicas e entidades civis, divulgou, nesta quarta-feira (29/10), um manifesto em que clama por uma Segurança Pública Cidadã.

O texto enfatiza que “os impactos da violência armada no Rio de Janeiro não são novidade e vão muito além das estatísticas de criminalidade. Agudizam uma crise de natureza socioeconômica que há muito corrói o cotidiano das pessoas, o refúgio de suas casas e mesmo seus momentos de lazer, subtraindo a integridade física e mental de comunidades inteiras”.

Para os signatários, “política de segurança pública se constrói com etapas planejadas e estruturantes para resultados socialmente justos e duradouros, não pela rotina brutalizante que sobrecarrega comunidades já castigadas pelo crime e pela precarização”. O manifesto traz uma lista de exigências às autoridades e ressalta que “é preciso valorizar o diálogo, a paz e a vida”. Abaixo, a íntegra do texto.

Leia a integra do Manifesto por uma Segurança Pública Cidadã para o Rio de Janeiro

“Nós, abaixo assinados, repudiamos a operação policial conjunta realizada no Rio de Janeiro e em partes de Niterói e São Gonçalo nesta terça-feira, 28 de outubro, que evidenciou a insustentabilidade das políticas estaduais de segurança. Semana após semana, a invisibilidade administrativamente consentida das “zonas de exceção” e a falácia cruel do “confronto permanente” como prática de governo produziram como saldo assustador o extermínio sem julgamento, para tantos, e o caos social para todos. Neste momento de dor e perplexidade, manifestamos solidariedade à população carioca por uma ação policial que resultou em vítimas e colocou em risco a vida e a integridade das pessoas.

Leia também: Moradores retiram mais 64 corpos em área de mata após operação do Governo do RJ e número de mortos dobra

Não nos enganemos. Os impactos da violência armada no Rio de Janeiro não são novidade e vão muito além das estatísticas de criminalidade. Agudizam uma crise de natureza socioeconômica que há muito corrói o cotidiano das pessoas, o refúgio de suas casas e mesmo seus momentos de lazer, subtraindo a integridade física e mental de comunidades inteiras. O sofrimento incessante, os adoecimentos e óbitos desembocam em um problema de saúde pública.

Enquanto escrevemos esta nota, os números de mortos aumentam e são contados por famílias dos complexos do Alemão e da Penha. Cabe indagar: a quem interessa a manutenção e agravamento da ambiência de insegurança e medo decorrente da violência armada na capital e região metropolitana?

Não se trata de um conflito armado não intencional, mas de um fenômeno multidimensional que há muito adoece nossa cidade, cancela o sonho de estudantes, impede o tratamento de doentes, rouba a tranquilidade das famílias, tira o sustento dos trabalhadores. Ignorá-lo é irresponsabilidade administrativa, tratá-lo via necropolítica é alimentá-lo.

Política de segurança pública se constrói com etapas planejadas e estruturantes para resultados socialmente justos e duradouros, não pela rotina brutalizante que sobrecarrega comunidades já castigadas pelo crime e pela precarização.

Exigimos:

– Preservação da vida e valorização de direitos;
– Proteção e manutenção da rotina das pessoas;
– Respeito às instituições de Estado que garantem os direitos constitucionais;
– Articulação efetiva com o Governo Federal, planejamento intersetorial e postura preventiva como política pública;
– Formação cidadã das forças de segurança;
– Inteligência informada por evidências com foco em redes criminosas;
– Transparência e controle social para dimensionamento e gestão de riscos.

A interrupção de atividades das instituições e equipamentos públicos não só prejudica seu funcionamento como representa uma violação de acesso a direitos e gera um ambiente de insegurança, medo e instabilidade. A lógica da ocupação e extermínio praticados no Estado do Rio de Janeiro ignora as instituições garantidoras de direito e desrespeita o STF quando descumpre a ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, estabelecendo regras contra a letalidade policial nos lugares favelizados).

Midiatizar a violência armada não é dar transparência às ações de segurança pública. É espetacularizar a vergonhosa falta de acesso a melhores condições de vida e a prática do extermínio como política – enfim, a privação de direitos a que estão expostas as gerações do agora e do amanhã.

Hoje, sob a mais desastrosa e letal operação policial de sua história, o Rio de Janeiro despertou, ainda que tardiamente, para a realidade de que o caos nutrido pela desigualdade e pela violência rotineiras não gera espaços seguros para ninguém, nem civilidade possível, nem futuro em comum.

É preciso valorizar o diálogo, a paz e a vida.

Rio de janeiro, 29 de outubro de 2025

Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (CD Fiocruz)
Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Programa Institucional sobre Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental (PDHSM/Fiocruz)
Programa Institucional de Articulação Interserorial Violência e Saúde (Pivs/Fiocruz)
Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz) 
Instituto Fogo Cruzado
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
Organização Mulheres de Atitude 
Redes da Maré 
Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos
Redeccap de Empreendimentos Sociais (Redeccap)
Espaço Casa Viva de Manguinhos
Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme)
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESec)
Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda)     
Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc) 
Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD)
Grupo de Estudos Ciências Humanas e Saúde: Interlocuções Interdisciplinares/PUC-Rio
NIS-UFRJ (Núcleo de Inclusão Social)
LEA (Laboratório de Ética Animal e Ambiental) – UFF
Nós: Dissidências Feministas – UFRJ
Grupo de Trabalho Saúde Internacional e Soberania Sanitária do Clacso – Núcleo Brasil/Grupo de Estudos Feminismos Decoloniais, Racismo e Saúde
Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos Sobre Drogas (Abramd)
Associação Cultural Movimento Desabafo Urbano (Modu)
⁠Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma)
⁠Conectas Direitos Humanos                          
Escola Livre de Redução de Danos
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
Conselho Comunitário de Manguinhos 
⁠Projeto Marias – como posso ajudar meu filho especial
Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Nelson Mandela 
Coletivo Manguinhos Solidário 
Coletivo Manguinhos contra a Violência
Movimento Candelária Nunca Mais
Movimento Popular de Favelas (MPF)
Centro de Convivência É de Lei
⁠Movimento Mães de Manguinhos
Rede de comunidades e movimentos contra violência
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado
Conselho Comunitário de Segurança pública – Aisp 22
Levante Popular da Juventude
Movimento das Comunidades Populares (MCP)

Foto: Tomaz Silva – Agência Brasil

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