Manaus, 29 de abril de 2024

Organizações ligadas aos povos indígenas emitem notas simultâneas contra licença de instalação para o Projeto Potássio Autazes

Do Amazônia Plural

Entidades ligadas aos povos indígenas emitiram, simultaneamente, nesta terça-feira, 09/04, notas de repúdio contra a liberação da primeira licença ambiental para a instalação do Projeto Potássio Autazes, coordenado pela empresa Potássio do Brasil, e que visa a exploração de minério em uma mina naquele município. O licenciamento foi emitido pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), vinculado ao Governo do Estado.

A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), afirmou que a permissão era almejada há pelo menos uma década, “marcada por intensa incidência contrária dos povos indígenas em razão dos impactos sobre as aldeias Soares e Urucurituba”.

A nota, assinada em conjunto com a Articulação das Organizações e dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), repudia a licença “oficializada em um cenário de violação de direitos e garantias dos povos indígenas. Entendemos que tal autorização é retrocesso à medida que já tem causado danos irreparáveis ao território e ao Povo Mura. As comunidades locais, mesmo antes da implementação desse projeto, já vêm sendo impactadas psicologicamente e socialmente, especialmente nesse momento pelo assédio às comunidades como estratégia para aceitarem a implantação do empreendimento”.

A Coiab nega que os povos Mura tenham sido ouvidos, conforme divulgou o Governo do Amazonas. “As comunidades do povo Mura não foram consultadas, nem foi realizado o Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento ambiental, o que viola o direito à consulta livre, prévia e informada estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto 5.051, de 19/04/2004 e consolidada pelo Decreto 10.088, de 05/11/2019. Apelamos ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério Público Federal para, no exercício de suas funções, atuarem em defesa dos direitos territoriais, socioambientais e culturais do povo Mura”, destaca um trecho da nota.

A Apiam afirmou, ainda, que a Potássio do Brasil “vem fazendo promessas de que o empreendimento possibilitará a construção de escolas, perfuração de poços artesianos, entre outras ações que, na realidade, já deveriam estar sendo implementadas pelo poder público, por fazerem parte das políticas públicas estabelecidas pela legislação, mas, estão apenas sendo utilizadas no discurso da empresa, para obter o posicionamento favorável das comunidades indígenas, gerando conflitos internos e divisão das comunidades. Mais uma vez, o setor econômico tenta sobrepor seus interesses, violando os direitos territoriais originários dos povos indígenas assegurados pela Constituição Federal”. A Apiam também nega que os Mura tenham sido consultados.

A Organização reforça preocupação com a grande movimentação de pessoas vinda de outras regiões, o que pode acarretar em “riscos de transmissão de doenças, destruição da terra e do meio ambiente, contaminação das águas” e redução de alimentos, questões que “afligem as comunidades e só se agravam diante dos efeitos das mudanças climáticas que são resultados do modelo de desenvolvimento econômico ganancioso da sociedade não indígenas. Não somos contrários ao desenvolvimento econômico, mas, este não pode ser a qualquer custo. É fundamental respeitar os direitos dos povos indígenas que viverem em seus territórios, a preservação da floresta, dos rios e das águas”.

Alinhada ao movimento, a Comunidade Indígena Lago do Soares afirmou que o processo promove a violação dos direitos dos povos Mura do Lago do Soares, além de ferir a Constituição Federal. A entidade afirma que a autorização de instalação e a política em torno do projeto “tem um cenário genocida e etnocida formado para invadir nosso território, apagar nossa identidade cultural e retirar nossos direitos”.

E chama à responsabilidade instituições como o Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para “garantir de fato nossos direitos indígenas e fazer valer a Constituição de 1988, A Declaração Universal dos Povos Indígenas e a Convenção 169/OIT”.

A entidade pede a retirada do grupo, a quem ela descreve coo invasor e que, segundo a Comunidade Indígena, “vem causando todo tipo de impacto sociocultural, ambiental e territorial” nas terras Mura.

A Aldeia Ponta das Pedras também manifestou repúdio à licença ambiental, através de uma carta aberta. A entidade afirma que o Conselho Indígena Mura (CIM), representado por seu presidente na cerimônia de entrega da licença, promovida pelo Governo do Amazonas, no último dia 08/04, não os representa. A organização chamou a participação de vergonhosa.

A Organização de Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea também emitiu nota de repúdio, se unindo ao grupo que questiona o licenciamento. Em carta aberta, o rupo demonstrou indignação com a medida e repudiou, ainda, a participação da CIM no processo.

Entenda o caso

O governador Wilson Lima entregou, na última segunda-feira (08/04), a primeira licença ambiental para instalação do Projeto Potássio Autazes, no município a 113 quilômetros de Manaus. Segundo o estado, na fase de instalação da atividade, devem ser gerados de forma direta 2,6 mil postos de trabalho, na fase de operação da Mina de Silvinita. No total, a nova matriz econômica vai proporcionar mais de 17 mil postos de trabalhos diretos e indiretos no estado quando estiver em operação.

Em material divulgado à imprensa, o Governo do Amazonas diz entender que o empreendimento beneficiará o povo Mura, que vive na região e terá as terras indígenas preservadas, além de serem beneficiados com o crescimento socioeconômico local.

A licença foi concedida à empresa responsável pelo projeto, que anunciou a descoberta em 2010, após obter autorização para prospectar a área. Para conceder a licença, o Governo do Amazonas considerou todas as condicionantes ambientais vigentes. O potássio é matéria-prima para a produção de fertilizantes e, com produção realizada no Amazonas, passará a ser a maior do país, atendendo 20% da demanda nacional e reduzindo a importação do minério.

Segundo a empresa Potássio do Brasil, os investimentos previstos são de US$ 2,5 bilhões (R$ 13 bilhões, aproximadamente, dos quais R$ 1 bilhão já investido). Apenas na fase de construção da planta fabril, autorizada no evento desta segunda-feira, a previsão é gerar 2,6 mil empregos diretos em 4 anos e meio. Já na fase de operação, além dos 1,3 mil empregos diretos, devem ser gerados outros 16 mil indiretos. O uso de mão de obra local será de até 80%.

Histórico

Em 2009, houve a concessão da área pela Agência Nacional de Mineração para a Potássio Brasil. O Governo do Amazonas afirma, ainda, que cerca de 15 anos depois, as condicionantes ambientais exigidas para a atividade garantem que a exploração do potássio no Amazonas será uma das mais verde do mundo, incluindo o baixo carbono emitido na operação.

O Estado afirma que os povos Mura foram ouvidos ao longo do processo. “Nosso povo vem de muitas lutas e muita raça. Agora, estamos aqui diante desse momento histórico. Esse empreendimento vem para nos beneficiar e era esperado há muitos anos. Seguimos todos os protocolos, cumprimos todas as regras e daqui para frente só espero muito sucesso para o nosso povo indígena”, disse o coordenador do Conselho Indígena Mura, Kleber Mura.

A autorização para a instalação da chamada lavra subterrânea (retirada do minério abaixo do solo) é emitida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que seguirá em análise de outras atividades e serviços que deverão ser desenvolvidas pela empresa.

Com validade de três anos, a licença ambiental de instalação autoriza a construção da parte administrativa e funcional do complexo, incluindo as minas subterrâneas que terão 800 metros de profundidade para a extração do potássio por meio de um sistema de alta tecnologia e sem qualquer influência no modo de vida da superfície.

O Cloreto de Potássio é um dos minerais mais importantes para indústria de fertilizantes agrícolas do mundo. Com a fase de operação prevista para durar mais de 23 anos, o Projeto Potássio Autazes permitirá maior competitividade do produto feito na região em relação ao produto importado.

De acordo com o Governo do Estado, o volume de 20% de cloreto de potássio que a produção do Amazonas vai atender corresponde à média de 2,2 milhões de toneladas de cloreto de potássio por ano. Canadá, Rússia, Bielorrússia, Alemanha e Israel são alguns dos países que atendem à demanda do Brasil atualmente.

Jogo de interesses

Em matéria publicada em novembro do ano passado, na Folha de São Paulo, o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) afirmou que o empreendimento para a exploração de potássio a Amazônia, é de interesse de grupos ruralistas contrários aos interesses dos povos indígenas. À época, a ministra Sônia Guajajara afirmou ser contra o que ela chamou de ‘processo para a coação, manipulação, intimidação e pressões indevidas que o povo Mura vem sofrendo”, e que foi apontado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em novembro de 2023, o MPF a Justiça Federal no Amazonas atendeu ao pedido emergencial do MPF, ao pedido emergencial da Organização de lideranças indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV) e da comunidade indígena do Lago do Soares, em Autazes (AM), e suspendeu imediatamente o procedimento de licenciamento ambiental, a consulta realizada de forma irregular e qualquer avanço nos trâmites para a implantação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil em Autazes.

A decisão teve como base o agravamento das irregularidades, a partir de uma série de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas, inclusive de lideranças Mura, e de servidores/gestores públicos por prepostos e pelo próprio presidente da empresa Potássio do Brasil.

A empresa de mineração também foi multada em R$ 1 milhão pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação, em especial, por realizar pressão indevida sobre o povo Mura. A Justiça Federal ainda determinou a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra os indígenas Mura, praticados pela Potássio do Brasil.

Na petição, o MPF destacou graves violações e irregularidades em andamento. Segundo o documento, diversos relatos de áudio, vídeo, ligações telefônicas, oitivas presenciais e videoconferência, documentos e outros meios demonstram “o cenário caótico estabelecido entre o povo Mura e lideranças indígenas nas aldeias a partir de cooptações, promessas, pressões e ameaças estimuladas ou perpetradas diretamente pela empresa Potássio do Brasil e seus prepostos”. O Amazônia Plural solicitou ao MPF o atual andamento do processo e aguarda retorno.

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